quarta-feira, novembro 5

Le Mendiant

Tenho o (péssimo) hábito de escrever frases de livros em pedaços de papel, por vezes parágrafos inteiros, e gardà-los nos sítios onde sei que mais cedo ou mais tarde os encontro de novo, uma espécie de memorando daquilo que me marcou a determinado ponto.

Hoje encontrei-o no bolso e num recanto obscuro da minha memoria onde guardei o que li, escrevi e memorizei mas por alguma razão que me ultrapassa, não esqueci. Um poema de Victor Hugo escrito na língua materna do autor, tão deprimente como o tempo e tão brilhante como quem o escreveu. Não te vou maçar com o poema em si portanto descrevo-te apenas o cenário e deixo a tua imaginação fazer o resto.

Uma pequena aldeia francesa (imagina-a muito pequena com as ruas estreitas e as casas atulhadas umas nas outras, onde cheira a lareira e onde o frio se entranha nos ossos) datada de 1860, num dia em que chovia (porque a chuva acompanha sempre os cenários tristes, melancólicos e hiperboliza as personagens solitárias...). Um mendigo que sobe a ladeira sozinho, roto e triste, molhado da chuva que não pára de cair e uma alma caridosa (porque há sempre uma alma caridosa, não se tratasse este de um poema de Victor Hugo) que o convida a entrar para se aquecer, para comer, para se abrigar.

Segue-se a conversa de circunstancia, a refeição e as ilações do benfeitor relativamente ao pobre homem que caridosamente abrigou.

Depois, do nada, a imagem que não me deixou.

O mendigo estende a manta que o cobria e abrigava da chuva que caia cheia de buracos em frente ao lume. O benfeitor vê, nos buracos que deixam trespassar a luz do fogo, uma constelação de estrelas.


Victor Hugo: Passou a infância em Paris. Estadias em Nápoles e na Espanha acabaram por influenciar profundamente sua obra. Funda com os seus irmãos em 1819 uma revista, o Conservateur littéraire (Conservador literário), que já chama a atenção para o seu talento. No mesmo ano, ganha o concurso da Académie des Jeux Floraux.
O seu primeiro recolhimento de poemas, Odes, é publicado em 1822: tem então vinte anos.
Com Cromwell, publicado em 1827, alcança o sucesso. No prefácio deste drama em versos, que não foi encenado enquanto esteve vivo, opõe-se às convenções clássicas, em especial à unidade de tempo e à unidade de lugar.

Criado por sua mãe no espírito da monarquia, acaba por se convencer, pouco a pouco, do interesse da democracia ("Cresci", escreve num poema onde se justifica). A sua ideia é que "onde o conhecimento está apenas num homem, a monarquia se impõe." "Onde está num grupo de homens, deve fazer lugar à aristocracia. E quando todos têm acesso às luzes do saber, então vem o tempo da democracia". Tendo se tornado favorável a uma democracia liberal e humanitária, é eleito deputado da Segunda República em 1848, e apoia a candidatura do "príncipe Napoleon".
Exílio em Jersey (1853-55)
Exila-se após o golpe de Estado de 2 de Dezembro de 1851, que condena vigorosamente por razões morais em "Histoire d'un crime". Durante o Segundo Império, vive em exílio. É um dos únicos proscritos a recusar a amnistia decidida algum tempo depois: « Et s'il n'en reste qu'un, je serai celui-là » ("e se sobra apenas um, serei eu").

Victor Hugo morre em 1885.

1 comentário:

Anónimo disse...
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